Monday 14 March 2011

O último artigo para a L+Arte, que fechou este mês.

KW 69
KW Institute for Contemporary Art
Berlim

Texto Luísa Santos







A série de exposições KW69, no KW Institute for Contemporary Art em Berlim, começou em Outubro do ano passado com a curadoria da artista Angela Bulloch (n. 1966, Canadá) e, entre 3 de Março e 3 de Abril deste ano, apresenta a quarta edição. Com um título pragmático e descomprometido, KW69 (a morada do KW é Auguststraße 69) segue a filosofia desta instituição de apresentação e produção de arte num tom reflexivo.

O KW Institute for Contemporary Art em Berlim é um lugar para produção e apresentação de arte contemporânea com forte ênfase nos conceitos mais do que nos meios ou na forma. O KW não tem colecção permanente, uma afirmação de espaço-laboratório para comunicar e desenvolver aspectos da arte contemporânea na Alemanha e internacionalmente - é, por exemplo, a base para a Bienal de Berlim, já na 7ª edição, a acontecer em 2012.

Desde 2008 que o KW não tem programa de artista em residência, parte fundamental da filosofia discursiva da instituição. Partindo desta condição e, com a série de exposições KW69, a directora, Gabriele Horn, recuperou a possibilidade de criar trabalho sem curadoria institucional. A par com o programa de exposições temporárias, a série KW69, com a duração prevista de um ano e doze exposições, apresenta-se enquanto método experimental de curadoria feita por artistas que convidam outros artistas em sucessão rápida, de uma para a exposição seguinte, em que a direcção curatorial da instituição reserva-se ao papel de anfitriã que faz o primeiro convite e, a partir deste, perde conscientemente, quaisquer tipo de controlo ou autoria. Esta será a primeira leitura mas, num segundo olhar, torna-se claro que o papel de anfitriã que nega autoria ou quaisquer papéis externos ao de mero acolhimento, acontece na mesma instância do papel de autor que impulsionou uma série de acontecimentos que são interdependentes.

Os artistas mudam de papéis, começando como artistas convidados numa exposição e passando para curadores que convidam outros artistas para a exposição seguinte e assim sucessivamente. Num jogo tão rápido quanto inesperado, surgem, inevitavelmente, pontos de referência que se cruzam (o conceptualismo que caracteriza Cerith Wyn Evans na primeira edição volta a aparecer pela voz rigorosa de Henrik Olessen na segunda), mudanças contínuas de pontos de vista (objectos enquanto reflexão de género na arte pela artista inglesa Lene Henke, e a transformação de objectos do dia-a-dia em escultura pela Sara McKillop na primeira e segunda edições, respectivamente) e usos do espaço que referem e se constroem a partir da memória da anterior.

Seguindo as ideias de interdependência e colaboração, a série teve inicio com a curadoria da artista Angela Bulloch que, sob o título “Molecular Etwas” convidou Jean-Michel Wicker (n. 1970, França) a apresentar trabalho e que, por sua vez, convidou os artistas Manfred Pernice (n. 1963, Alemanha), Roberto Matta (1911 – 2002, Chile), Christina Mackie (n. 1956, Canadá), Dominique Gonzalez-Foerster (n. 1965, França), Bruce Gilbert (n. 1946, Inglaterra), Vidya Gastaldon (n. 1974, França), Cerith Wyn Evans (n. 1958, Inglaterra), Germaine Cellier (1909 – 1976, França) para participar nesta primeira edição. A partir desta participação, os artistas Jean-Michel Wicker e Gregorio Magnani tomaram o papel de artistas-curadores para a segunda edição “cactus craze” com o convite à artista Judith Hopf (n. 1969, Alemanha) que, por sua vez, tal como na primeira edição, convidou um grupo de artistas a apresentar trabalho colectivamente. Por esta ordem sucessiva, a artista Judith Hopf apresentou a terceira edição do KW69 - “Cold Society” – com o convite à artista Kerstin Cmelka
(n. 1974, Áustria) que, de Março a Abril, toma a posição de artista-curadora ou, pelas palavras de Gabriele Horn, “o papel de anfitriã que convida um determinado grupo a entrar no seu espaço”.

É de comum conhecimento que Berlim é a cidade de eleição de muitos artistas, entre muitas razões, pelos preços relativamente baixos, e pela quantidade de espaços informais e não convencionais para expor trabalho. A generalização desta ideia já está a ter efeitos pouco positivos, como qualquer generalização. A consequência mais óbvia é a saturação de espaços ditos não convencionais que já se tornaram norma. Desde os anos 90 que Berlim tem vindo a ser definida por projectos em que os artistas assumem o papel de curadores (Silberkuppe, Stedefreund, Basso ou o West Germany, por exemplo). A história do KW foi em parte definida pela história da arte a partir dos anos 90 em Berlim. No entanto, a cidade tem sofrido inúmeras transformações nos últimos anos. Há menos espaços disponíveis e as instituições são cada vez mais formais. A série KW69 questiona o papel das instituições face às recentes mudanças da cidade, mantendo a postura critica que caracteriza o KW - na 4ª edição da Bienal de Berlim, por exemplo, abriu uma falsa Gagosian Gallery e, posteriormente, cedeu-a a artistas da cidade.

Os últimos anos têm sido lugar para exposições de grandes dimensões sob a curadoria de artistas: desde a exposição de Adam McEwen no Palais de Tokyo, em Paris, ao John Bock no Temporare Kunsthalle, em Berlim. O espaço disponível para a KW69 consiste em 30 modestos metros quadrados o que pode, numa primeira leitura, parecer pouco e coloca-se a questão de qual é a mais valia de mais uma exposição neste formato e num espaço reduzido. A rapidez de resposta que caracteriza a série KW69 produz um comentário institucional sobre as mudanças de acolhimento de arte nesta cidade. Constrói uma espécie de fio de Ariadne em que um acto responde a outro que, por sua vez, foi resposta a um acto anterior que determina a linha de pensamento e de acção. E este desconhecimento do que está para vir no momento seguinte, independentemente da sua qualidade – em Março e Abril, a selecção da artista Kerstin Cmelka – é precisamente o que caracterizou Berlim pelo que é reconhecida: a oportunidade de criar algo de novo, sem expectativas definidas para além da certeza que será algo em aberto.

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